quinta-feira, 30 de outubro de 2014

#14 - O GAIO E O PAPAGAIO, Leonel Neves

Não sei quem teve a ideia
de contar a um velho gaio
que outra ave papagueia
e se chama papagaio.

Disse o gaio: «Papa-quê?»
Disse o outro: «Papa-gaio!»
Disse o gaio: «Pois você
diga lá a esse bicho
que, se não muda de nome,
não me escapa, ainda o lixo;

que um gaio tem muita fome,
que sou um papão de um raio,
que este velho gaio o papa,
que sou papa-papagaio.»

Quando isto contaram a
um medroso papagaio,
gaguejou: «Eu... sou... pa... pa...»
e depois teve um desmaio.

Engasgou-se a rir, o gaio,
do desmaio do papagaio.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

#13 - ALFORRECA E FANECA, Violeta Figueiredo

Pobre de mim, tão Faneca,
Alforreca me fascina.
Sigo atrás da sua coroa,
dos seus terríveis cabelos
de gelatina e de prata:
só o vê-los me atordoa,
só o tocá-los me mata.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

#12 - PAZ, Teresa Guedes

Quem se zangou com as oliveiras?
Porque as abanam tanto?
Pronto, já caíram as azeitonas.
As pessoas apanham-nas como jóias.
Mas uma ficou esquecida:
na árvore, exausta e feliz,
ela adormece suavemente.

#11 - O ACENDEDOR DE LAMPIÕES, Vergílio Alberto Vieira

De tanto bater à porta
Da noite que à noite cai,
Ninguém com ele se importa
Nas ruas por onde vai.

De volta a casa, não diz
Como aprendeu a acender
Estrelas que o fazem feliz
Porque não querem morrer.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

#10 - SONHO, Isabel Lamas

Durante a noite
A Luísa sonhou
Que um Caracol
Assim lhe falou:
-- Vem Luisinha
Vem passear.
-- E se chover
Para me abrigar?
-- Não tenhas medo, Luisinha
Podes entrar
Na minha casinha.
-- Senhor Caracol
Eu sou muito alta
É outra casinha
Que me faz falta.
O Caracol estremeceu
E um belo palácio
Apareceu!
A Luisinha
Não pode crer
No que os seus olhos
Estão a ver.
O Caracol
foi transformado
Num belo príncipe ali a seu lado
Que à Lusinha fala de amor

Mas nisto... Toca o despertador!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

#9 - PALHAÇO VERDE, Sosígenes Costa

Palhaço verde, o mar na areia ruiva
grita e gargalha, salta e cabriola,
como quem sofre, lírico, da bola.

E, querendo assombrar as moças, uiva,
brama, arremete e explode, o mariola,
abrindo uma alvacenta ventarola.

O mar é sempre o mesmo rapazola!
O mar é sempre o mesmo brincalhão
que, todo verde pela areia ruiva,
faz-se palhaço, bobo e valentão.

Vinde ver o bufão de roupa verde,
ver o bobo da corte de Netuno.

Na tarde cor-de-rosa, a roupa verde
do mar parece o tal pavão Juno.

Cai a noite. Do mar a roupa verde
fica de um verde negro, verde bruno.

Crianças, vinde à corte de Netuno
ver o palhaço verde gracejar.

Crianças, vinde ver cabriolar
pela areia amarela o verde mar.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

#8 - A ÍBIS, Fernando Pessoa

A íbis, a ave do Egipto
Pousa sempre sobre um só pé
O que é
Esquisito:
É uma ave sossegada
Porque assim não anda nada.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

#7 - CÃOZINHO (Sidónio Muralha)

Eu tenho um cão
muito pequenino
que me cabe na mão
e não é ladino...
Só se põe a correr
se o seu menino
lhe mexer...

Não come carne nem peixe
mesmo que o deixe...
Nem trinca chocolates e bolos
como os cães tolos...
Nem come sopinha
por mais que lha dê...

E não bebe leite
antes que se deite
na sua caminha...
E que coma açorda
ninguém se recorda...
Nem papa farinha...

E sabem porquê?
Ninguém adivinha?

-- é que o patetinha
é um cão de corda.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

#6 - BOA NOITE, Sidónio Muralha

A zebra quis
ir passear
mas a infeliz
foi para a cama

-- teve de se deitar
porque estava de pijama.

sábado, 9 de agosto de 2014

#5 - OS COELHINHOS, Odylo Costa, Filho

Iam dois coelhinhos
andando apressados
para o céu -- com medo
de serem caçados.

E também com medo
de passarem fome.
Pois -- quando não dorme --
o coelhinho come.

E ainda tinha os filhos
que a coelha esperava...
O Céu era longe
e a fome era brava.

Jesus riu, com pena:
fez brotar da Lua
-- para eles -- florestas
de cenoura crua.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

#4 - A BORBOLETA, Odylo Costa, Filho

De manhã bem cedo
uma borboleta
saiu do casulo.
Era parda e preta.

Foi beber ao açude.
Viu-se dentro da água.
E se achou tão feia
que morreu de mágoa.

Ela não sabia
-- boba! -- que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.

Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
mas deu roupa nova
azul e amarela.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

#3 - PRÉ-HISTÓRIAS, Paulo Abrunhosa

Se nos tempos áureos
dos dinossáurios
aparecesse um rinoceronte
no horizonte,
seria como ver surgir hoje um peru
entricheirado na carapaça dum tatu!

terça-feira, 20 de maio de 2014

#2 - SUPERSTIÇÃO, Paulo Abrunhosa

Será por superstição
que o dragão
só se sente apto
a tentar o rapto
de alguma princesa
se, para além de indefesa,
ela ainda
for linda?

quarta-feira, 16 de abril de 2014

#1 - O CÃO NOVO E A PERDIZ VELHA, Leonel Neves

O cão fareja a perdiz
e a perdiz pressente o cão.
O cão-de-caça aprendiz
busca a perdiz sábia... Então

a perdiz, devagarinho,
vai onde há caca de vaca,
ali perto do seu ninho.
Lá se esconde... O cão estaca.

Cheira-lhe mal. Pensa, triste,
como não vira a perdiz,
que o seu nariz lhe mentira...

E o cão aprendiz desiste
e o caçador não atira
e a perdiz fica feliz!